19 de fevereiro de 2010

O direito de superfície entre Código Civil e Estatuto da Cidade

A vigência do novo Código Civil levou inevitavelmente a questionar se revogadas ou modificadas as normas estabelecidas pelo Estatuto da Cidade sobre o direito de superficie (Lei nº/ 10.257, de 10 de julho de 2001). O legislador poderia ter dado uma diretriz e não o fez, ao contrário. até esqueceu por completo a própria existência do Estatuto da Cidade. Silêncio absoluto.Tal obriga ao intérprete a definir a aplicabilidade de ambos diplomas legais, pois há detalhes que, ainda que semelhantes, não são idênticos.
O Estatuto começou a vigorar antes do Código Civil. É de se perguntar, no conflito de normas, se o novo Código, como lei de vigência posterior, derrogará as regras do Estatuto da Cidade. Não é possível esquecer que o § 1º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando "seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".
Porém, o § 2o do mesmo preceito também dispõe que a lei nova "não revoga nem modifica a lei anterior", ainda que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, e portanto o Estatuto da Cidade também continuará a vigorar. O Estatuto da Cidade é lei especial que consagra um micro-sistema, dentro de um compartimento que a doutrina denomina direito social, a meio caminho entre o Direito público e o Direito privado. Assim sendo, se justificaria que ante uma norma do novo Código Civil conflitante com o Estatuto da Cidade, este poderia prevalecer.
Também poder-se-ia admitir a existência de uma certa intercomunicação entre ambas leis, de modo que a disciplina estabelecida no Código sirva como Direito supletivo do Estatuto da Cidade para completar as lacunas na regulamentação urbanística do direito de superfície.
Nem a idéia de que o Estatuto da Cidade constitui um micro-sistema jurídico dentro de um emergente direito social, é argumento suficiente para sustentar a vigência das normas do Estatuto da Cidade, incompatíveis com a regulação dada ao direito de superfície pelo Código Civil. Nem a idéia simplista de que o Código, como lei posterior, ab-rogou o Estatuto da Cidade é aceitável. Embora o Código seja uma lei geral, é uma lei posterior que, senão derroga por completo nenhuma lei anterior, ao menos derroga tacitamente todos os preceitos das leis vigentes com antecedência em tudo o que sejam claramente contrárias ou se oponham ao estabelecido nele, incluindo os dispositivos da lei urbanística.
Assim sendo, o interprete é muito consciente das dificuldades que cria a integração destas duas disciplinas normativas vigentes.
Em geral: 



Outras aproximações ao assunto:
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O presente artigo tem como escopo delinear os principais contornos existentes no Instituto da Superfície, uma vez que este se faz presente tanto no Código Civil como no Estatuto da Cidade. São leis conflitantes regulamentando a mesma matéria. Assim, teria o Novo Código Civil, por ser Lei posterior, revogado as disposições do Estatuto da Cidade? Como definir a aplicabilidade dessas legislações?

O presente ensaio tem o condão de analisar aspectos específicos acerca do direito de superfície — direito real de regulamentação relativamente nova no ordenamento jurídico brasileiro — mormente no que tange à possibilidade da utilização do subsolo e do espaço aéreo da área sujeita aos efeitos desse direito.
O tema foi primeiramente abordado pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, diploma este que o fez em seus artigos 21 a 24. Posteriormente o Código Civil também regulou a matéria nos artigos 1369 a 1377. Especificamente no que toca à utilização do subsolo e do espaço aéreo, a regulamenta-ção trazida pelo Código Civil foi mais restrita, o que acabou por gerar polêmica na doutrina acerca de uma possível revogação dos dispositivos presentes no Estatuto da Cidade. Este não parece ser o melhor entendimento. É o que tentaremos demonstrar.
A reintrodução da superfície no ordenamento jurídico brasileiro, pelo Estatuto da Cidade e pelo Código Civil, coloca em disponibilidade mais um relevante instrumento de política urbana, porém, dotado de status de direito real, assegurando sua autonomia em relação aos demais direitos desta natureza. A dupla legislação existente sobre o direito de superfície (Código Civil e Estatuto da Cidade), diverso do que se possa imaginar, não se converterá em uma antinomia de normas jurídicas, à medida que ambas podem conviver em perfeita harmonia, pois regulamentam situações fáticas diversas, devendo, portanto, cada qual ser aplicada a tempo e modo.

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Superfície á Luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade, Marcus Vinícius dos Santos Andrade, Jurúa Editora, 2009, 232 pp.
SUMÁRIO DA OBRA
INTRODUÇÃO
Parte I FENOMENOLOGIA
1 - COISA IMÓVEL: DESMEMBRAMENTO FÍSICO E JURÍDICO
1.1 Coisa e seu significado; imóvel e propriedade; a dissociação da propriedade; abstração e materialidade.
1.2 A extração de valores diferentes em diversos planos de um imóvel; art.1.229, do Código Civil de 2002
1.3 A utilização autônoma do solo, do subsolo, da superfície, do espaço aéreo
Parte II DESENVOLVIMENTO
2 - SUPERFÍCIE: HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO
2.1 Direito romano
2.2 Direito germânico
2.3 Alta e baixa idade média; sistema feudal de propriedade
2.4 Do período medieval ao contemporâneo
3 - A SUPERFÍCIE EM PORTUGAL E NO BRASIL: NA COLÔNIA, NO IMPÉRIO E NOS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLI CA ATÉ 1916
3.1 Direito de superfície em Portugal
3.2 A vigência no Brasil colônia e após a independência: a proibição do instituto
3.3 A restauração bloqueada
3.4 O anteprojeto elaborado por Orlando Gomes
3.5 O anteprojeto do Código Civil
3.6 A construção do Estatuto da Cidade
Parte III DOS ORDENAMENTOS
4 - ELEMENTOS LEGISLATIVOS DE COMPARAÇÃO
4.1 Disciplina legal estrangeira
4.1.1 Direito francês
4.1.2 Direito alemão
4.1.3 Direito português
4.1.4 Direito italiano
4.1.5 Direito austríaco
4.1.6 Direito Civil de Quebec, Canadá
4.1.7 Direito belga
4.1.8 Direito espanhol
4.1.9 Direito suíço
4.1.10 Direito argentino
4.1.11 Common law
4.2 Apreciação das diferentes legislações sobre direito de superfície
5 - DIREITO DE SUPERFÍCIE NO BRASIL
5.1 O direito real de superfície na Lei 10.257, de 2001
5.2 O Código Civil de 2002
5.3 Confronto normativo
5.4 Divergências legislativas
Parte IV DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
6 - SUPERFÍCIE: DIREITOS REAIS, PLENOS E LIMITADOS
6.1 Direitos reais
6.2 Propriedade: unitariedade e desmembramento no direito brasileiro
6.3 Direitos reais sobre coisa alheia
6.3.1 Servidão
6.3.2 Usufruto de imóveis
6.3.3 Uso e habitação
6.3.4 Direito do promitente comprador (arts. 1.417/1.418)
6.3.5 Enfiteuse
6.3.6 Concessão de uso especial para fins de moradia
6.3.7 Concessão de direito real de uso
6.4 Direitos reais de garantia
6.4.1 Hipoteca
6.4.1.1 A hipoteca da propriedade superficiária
6.4.2 Anticrese
6.4.2.1 A superfície na anticrese
6.4.3 Alienação fiduciária de imóvel
6.4.4 Penhor rural
7 - OBJETO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
7.1 Construção e plantação
7.1.1 Construção
7.1.2 Plantação
7.2 Construir (plantar) ou manter o que está feito
7.3 Construção ou plantação; construção e plantação
7.4 Solo e subsolo
8 - ESTRUTURA DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
8.1 Confronto com os demais direitos reais
8.2 Conceito e natureza jurídica
9 - MODOS DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
9.1 Concessão de uso para construir ou plantar:
9.2 Construção ou plantação: constituição do direito de superfície por cisão
9.3 Sucessão testamentária
9.4 Registro e averbação do título
9.5 Usucapião
9.6 Relações obrigacionais não constitutivas do direito real de superfície
9.6.1 Locação e comodato
9.6.1.1 Locação
9.6.1.2 Comodato
9.6.2 Arrendamento rural
9.6.3 Parceria agrícola
10 - CONTRATO DE CONCESSÃO
10.1 Conteúdo do contrato de concessão
10.2 Sujeitos da relação jurídico-material
10.2.1 O proprietário do solo e o superficiário
10.2.2 O superficiário e a coisa objeto da superfície
10.3 O tempo contratual
10.4 Contrato gratuito e oneroso
10.5 Encargos ou tributos
10.6 Cláusulas contratuais: aplicação cogente e dispositiva
11 - CIRCULAÇÃO DAS PROPRIEDADES: SUPERFICIÁRIA E DO SOLO
11.1 Compra e venda
11.2 Outras formas de transmissão do direito real de superfície e respectivos conteúdos
11.3 Sucessão testamentária e legítima
11.4 A preempção ou preferência
12 - EXTINÇÃO DO DIREITO RE AL DE SUPERFÍCIE
12.1 Causas internas
12.1.1 Termo contratual
12.1.2 Destinação diversa daquela prevista no contrato
12.1.3 Descumprimento das obrigações avençadas
12.2 Causas externas
12.2.1 Desapropriação
12.2.2 Outras causas
12.2.2.1 Renúncia
12.2.2.2 Confusão
12.2.2.3 Distrato
12.2.2.4 Perecimento do solo ou do objeto do direito real de superfície
12.2.2.5 Decadência e prescrição
12.3 Recepção, recuperação, consolidação
13 - TUTELA DA SUPERFÍCIE
13.1 Ação reivindicatória
13.2 Outras ações reais (direito de vizinhança e entre propriedades contíguas): confessória; negatória; divisão e demarcação de terras; nunciação de obra nova; açãode dano infecto
13.3 Possessórias: manutenção, reintegração e interdito proibitório
13.4 Ações registrárias: invalidade e cancelamento do registro; retificação de área
13.5 Outras ações
13.5.1 Imissão na posse
13.5.2 Usucapião
13.5.3 Embargos de terceiro
13.5.4 Ação declaratória
13.5.5 Mandado de segurança
13.6 Processo e medidas cautelares; antecipação da tutela
13.7 A tutela do solo
13.8 Procedimentos
Parte V TÉCNICA E FUNÇÃO
14 - A SUPERFÍCIE URBANA
15 - A SUPERFÍCIE RURAL
16 - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS

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